O Parque Nacional dos Vulcões, no Havaí, um lugar onde a natureza jamais descansa
por Jennifer S. Holand
Fonte: NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL
Frans Lanting
Gás rubro de calor vulcânico emana do Kilauea ativo, que
libera um sinuoso rio de Lava. Na instável paisagem do Parque Nacional
dos Vulcões do Havaí, a aniquilação significa o eterno renascimento da
Terra
O Parque Nacional dos Vulcões do Havaí é assim. À primeira vista, os montes em forma de escudo que são vulcões ativos não fazem ninguém pensar em dragões cospe-fogo. E as crateras no solo crivado pelas erupções passadas são severas demais para serem belas, enormes demais até para os braços abertos de um amante da natureza.
Depois, tudo muda. Ande, pé ante pé, por entre cordões listrados de lava em resfriamento, ensope-se com o vapor espiralado que emana das entranhas da Terra e se debruce sobre a samambaia que milagrosamente cria raízes na rocha recém-solidificada. Ouça havaianos contarem histórias de Pele, a deusa dos vulcões, e comece a notá-la por toda a parte: nos mares de lava dura, nos cemitérios de árvores petrificadas, no cheiro acre de dióxido de enxofre exalado da zona de rifte leste do Kilauea. Depois visite a escaldante morada da deusa na cratera Pu‘u ‘O¯‘o¯, onde a atual erupção do Kilauea começou em 1983 e desde então já produziu lava suficiente para pavimentar cinco estradas até a Lua. Por fim, perceba que os vulcões do Havaí serão eternamente uma obra em andamento: o mais volátil e dinâmico parque da Terra.
O Congresso dos Estados Unidos começou a criar medidas de proteção aos picos vulcânicos da região em 1916, quando o Havaí era ainda apenas território americano. Hoje o parque nacional abrange mais de 1,3 mil quilômetros quadrados na grande ilha, e nele estão os vulcões Kilauea e Mauna Loa, com seus campos de lava escoriácea, desertos de vegetação raquítica, bosques da esguia koa (Acacia koa) e da ‘o¯hi‘a (Metrosideros polymorpha) de flores vermelhas, além de trechos de floresta pluvial tão densos que, além de botânicos e entomologistas, quase ninguém se aventura por lá.
Um dos lares de Pele é a cratera Halema‘uma‘u, que durante 150 anos foi a chaminé mais ativa do Kilauea. Havaianos e visitantes vêm à borda da cratera, agora quieta, fazer devoções e deixar oferendas variadas à deusa. “Aqui se vê de tudo, desde dinheiro falso até cabeças de porco cruas”, diz a guarda-florestal Faelyn Jardine, que toda semana remove, num saco de lixo, os presentes que a administração do parque considera “impróprios”. “A preferência é para as oferendas de cânticos e preces”, declara ela, erguendo um saco cheio de verduras sortidas e duas galinhas assadas.
É fácil entender por que tantos vêm fazer oferendas: sentem o bramido de espíritos nas profundezas do solo. Não só o de Pele, mas dezenas de outros, que comandam a lava, as tempestades, os incêndios, os ventos, as árvores e os humores do oceano.
Até a grande ilha tem origem vulcânica recente. Uma explosão há cerca de 700 mil anos a desalojou de um ponto quente estacionário, e ela se afastou, como suas irmãs mais velhas, com a deriva da placa do Pacífico para noroeste. O ponto quente continua a dar cria: um monte submerso chamado Lo¯‘ihi, cujo pico está a 1 quilômetro sob as águas, cresce a cada erupção submarina; daqui a uns 50 mil anos aflorará à superfície. Dos outros quatro vulcões ativos do Havaí, apenas o Kilauea e o Mauna Loa vomitaram lava nos últimos 200 anos. Desde que a mais recente erupção do Kilauea rachou sua zona de rifte leste, em 1983, a lava que sai do vulcão acrescentou cerca de 230 hectares de terra à costa sul da grande ilha.
Sam Kahookaulana já viu o que os vulcões podem fazer. Funcionário veterano do parque, ele cresceu sob o céu rubro de lava em Kalapana, cidade que em 1990 foi devorada por uma erupção do Kilauea. Da cidade, só resta uma igreja pintada que os moradores se apressaram a remover para lugar seguro. A estrada termina em um quiosque para venda de noz macadâmia, com um bando de cachorros magricelas e simpáticos lagarteando ao sol onde antes o oceano, em vez de um sólido mar de lava, vinha encontrar a praia. “Não podemos controlar os vulcões, assim como as ondas, as estrelas, a Lua”, explica Kahookaulana. “Por isso, só nos resta viver o presente.”